quinta-feira, 22 de julho de 2010

as vacas de fogo estão a chegar!


amanhã à noite é dia de ir ao baú; buscar os velhos jeans e as botas da tropa; com a casaca de cabedal remendada e a boina de napa, fica pronto o guerrilheiro urbano das lutas de diversão debaixo de fogo cerrado das vacas flamejantes!
as vacas de fogo estão a chegar!
recolham as crianças e os idosos; os incautos e as senhoras que se abstenham de vir à rua; encerrem as janelas, os postigos e as portadas!
as vacas de fogo estão a chegar!
os destemidos que evitem magotes para melhor se escapulirem por esquinas e vielas, onde as bichas de rabiar rompem o ar com voracidade!
as vacas de fogo estão a chegar!
ah! tenebroso fogo que irradia da vaca de madeira aos ombros do fogueteiro pingando pólvora ardente e disparando sonoros petardos luminosos!
as vacas de fogo estão a chegar!
que comece o festim!

Carlos Richter, 22 de Julho de 2010

quarta-feira, 21 de julho de 2010




A única luta que se perde


é a que se abandona.



Che Guevara

El sexo de los ángeles



























um programa de radio com Juan Jose Mora
http://www.culturasierranorte.org/radio_nueva_ventana.asp?id=395


Contenido: En el que nuestros esforzados presentadores se adentran por primera vez en las procelosas y turbias aguas de la poesía, lidian con cuanto poema les sale al paso, se topan por primera vez con el Innombrable y hablan del deseo, del presente inmediato y del arte de componer versos, en compañía de ausentes y de espectros de dudosa reputación.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

BANDEIRA FOREVER






http://www.youtube.com/watch?v=86Eb4MRv7wA&feature=related





Voices, a thousand, thousand voicesWhispering, the time has passed for choicesGolden days are passing over, yeahI can't seem to see you babyAlthough my eyes are open wideBut I know I'll see you once moreWhen I see you, I'll see you on the other sideYes, I'll see you, I'll see you on the other sideLeaving, I hate to see you cryGrieving, I hate to say goodbyeDust and ash forever, yeahThough I know we must be partedAs sure as stars are in the skyI'm gonna see YOU when it comes to gloryAnd I'll see you, I'll see you on the other sideYes I'll see you, I'll see you on the other sideNever thought I'd feel like thisStrange to be alone, yeahBut we'll be togetherCarved in stone, carved in stone, carved in stoneHold me, hold me tight, I'm fallingFar away. Distant voices callingI'm so cold. I need you darling, yeahI was down, but now I'm flyingStraight across the great divideI know you're crying, but I'll stop you cryingWhen I see you, I see you on the other sideYes. I'll see you. See you on the othe(r) sideI'm gonna see you. See you on the other sideGod knows I'll see you, see you on the other side, yeahI'll see you. See you on the other sideI'm gonna see you. See you on the other sideGod knows I'll see you, see you on the other side, yeahI wanna see you, yeah, yeah, yeah, see you on the other sideGod knows I'll see you, see you on the other side, yeahI'm gonna see you. See you on the other side...

terça-feira, 13 de julho de 2010

Sombras no Jardim do Meu Sossego



DÁLIA

Num vilar da comarca de Louzada tem morada a angústia. Passaram duas semanas desde o embarque do Corpo Expedicionário Português para a campanha de guerra que afligia a Europa. Nesse dia, o décimo-sétimo de Janeiro de 1917, Dália Maria de Barros Aristides Bacelar conservou na mão, de manhã à noite, o lenço com que acenou ao seu amado, Carlos Afonso Albuquerque de Riba Sousa, quando o comboio abalava da estação de Novelas sob uma linda aurora. Adormeceu com o lenço encharcado.
Da estação do telégrafo, na Vila de Louzada, arribam às mãos da donzela do Solar das Camélias curtas mas tormentosas notícias sobre os acontecimentos bélicos em França. A pior diz que os alemães usam de gases letais contra os Aliados.
Dália, que está noiva de Carlos, ressente-se da ausência deste, não só por amor mas assaz pela razão. Ipso factu, Carlos é um jovem de espírito tenaz, mas de tez franzina e corpo tísico.
Este herdeiro da Casa de Riba Sousa terminou o curso de medicina com distinção, em Coimbra, no início do verão de 1916. Era a primeira de duas aspirações que o apaixonavam.
Desde a Primavera que Carlos e Dália noivaram. O enlace estava arregimentado para finais do verão e o seu anúncio para o início deste. Mas eis que a comunicação não se fez.
Oito dias após a festa da licenciatura, Carlos foi acometido pelo mal pneumónico. Hordas de gente eram dizimadas pelo terrífico tifo enzimático. Contra todos os diagnósticos da medicina e prognósticos do mau agoiro, Carlos escapou ao cabo de três penosas semanas. Para gáudio geral e mais ainda dos jovens nubentes, iam casar. Finalmente.
Eis que não. Vinda do Ministério da Guerra e do Ultramar uma missiva convocou sine qua non Carlos de Riba Sousa para o tirocínio militar a fim de embarcar para a guerra.

SUAVIZANTES CAMÉLIAS

Nem só Dália padece de saudades extremas e dilacerantes. Mais arriba, distando milha e meia do Solar das Camélias, reside o fidalgo senhor de quase todo o lugar. O Visconde de Riba Sousa. Teme pelas debilidades do filho. Depois de ter tentado livrar o jovem por meios vários, incluindo idas infrutíferas à capital, rendeu-se. Não era crível que um monárquico e acérrimo contestatário da adesão de Portugal à guerra levasse avante a dispensa do filho. Entre ir ou fugir, Carlos escolheu a honra. O Visconde não resistiu à comoção e sucumbiu num colapso que lhe retirou a fala e o andar.
Decorria a Primavera de 1916. O esplendor de Louzada reflecte-se nas flores que brotam nas ravinas e nos prados e despontam nos canteiros e nos jardins.
É no jardim do senhorial Solar das Camélias que Dália, vistosa mas frágil, procura alento e recobro para a sua mágoa. Inebriada pela dócil luz primaveril, a jovem deambula pelo jardim com o vagar de quem parece quedar-se ali e sempre. Quando chove recolhe-se ao piano, tocando com mestria trechos de Chopin, de Bach e, vezes sem conta, o seu favorito “Fur Elise”, de Beethoven, que a abstrai do mundo de forma tal que nada e ninguém a despertam dessa deriva arrebatadora.
Carlos escreve a Dália sempre que está de licença. Dez dias de folga por mês permitem-lhe viajar da Flandres até à fronteira com Espanha, donde o correio abala para Portugal.
Cada carta é um novo alento, uma dose de fôlego para Dália. O ritual da abertura das primeiras cartas acontece no jardim, o seu recanto balsâmico que suaviza a dor, onde a ansiedade inquieta e sôfrega se rende à paz de espírito que se expande em Dália sob as camélias em flor. As benevolentes notícias de Carlos não condizem com a gravidade propalada pela imprensa. Não ignora nem menospreza, mas não lhe interessa a versão oficial, aceita a mentira de Carlos.
Dália abraça as cartas e os postais como se apertasse nos seus braços o seu amado. Tão amarrotadas ficam folhas e envelope que depois de ler e reler, de beijar e acariciar, alisa lenta e delicadamente o papel… Posto tudo direito e devidamente fechado no envelope, encosta-o ora no seu peito, ora no rosto. Quase em estado de transe, com um ténue sorriso nos lábios, Dália fica-se imóvel, desfrutando do sol numa face e na outra o pedaço do seu noivo feito carta…
A leitura apazigua o seu espírito. Depois do meio-dia o seu porto está na sombra das camélias. Lê jornais. O “Vida Nova”, da vizinha Senhora Aparecida, ou o “Jornal de Louzada”, de um grande amigo da família, costumam estar no banco do jardim. Junto destes é usual a companhia das obras de Eça de Queirós e Júlio Dinis. Os românticos liberais são os seus autores favoritos, cujos romances a levitam para longe. Nem mesmo uns inoportunos e inesperados pingos de chuva a despertam facilmente do encantamento que nela provocava a enésima leitura d’ “Os Maias”.
Certa ocasião, lendo debaixo da centenária camélia branca, os pingantes transformaram-se numa copiosa chuva. A criada Adelaide bradou da janela: “Ó menina, está a chover!” Dália levantou a dócil face, constatando que se molhava abundantemente. Um único gesto rápido ela tomou; recolheu no regaço o volume queirosiano superiormente encadernado pela Lello & Irmão, do Porto e que Carlos lhe oferecera no Natal. Posto isso, lentamente, com um sorriso de quem se sente apanhada pela tempestade mas feliz por nem isso lhe retirar o prazer inebriante daquela leitura. E andando se dirigiu para a casa, de nada valendo a insistência de Adelaide, que não parava de gritar “Corra, menina!”.

PRESSÁGIOS
Com o final da Primavera chegou um tórrido Verão. A angústia do silêncio feito da falta de cartas de Carlos instalou-se assustadoramente. Por quatro semanas a fio nem cartas nem notícias telegrafadas. Nada dizia como estava a guerra no front, como se não houvesse guerra.
Numa escaldante tarde apaziguada pela sombra das camélias, Dália perscrutou ao longe um ruído de automóveis. Uma raridade ali. Num raio de muitas milhas só o Visconde tinha tal engenho. O som aproxima-se numa cadência constante. O seu coração batia aceleradamente. Num ápice abeirou-se do portão indagando.
Eram dois veículos. O da frente claramente militar e o de trás era estranho. Estancaram adiante no largo fronteiro ao Solar de Riba Sousa. Então era nítido que o segundo veículo era da Cruz Vermelha.
Quatro oficiais do exército apearam-se do primeiro carro e dirigiram-se para as traseiras da ambulância.
Dália correu desenfreadamente pelo caminho de terra batida que ligava à casa dos Bacelares. Durante a correria gritou o nome que desde 17 de Janeiro não mais pronunciara.
O Tenente Carlos de Riba Sousa falecera em combate. A notícia, há muito temida e agora irreversível, caiu nos corações daquele lugar e das terras circundantes com estrondo. A dor estridente de Dália propagou-se em eco pelas vinhas e pinhais, prados e carvalhais.
Ao cabo de dias de um choro lancinante, fez-se um silêncio sepulcral. Dália Bacelar fechou-se em si. “Uma certa demência, certamente”, alvitrava o médico, Dr. Rodrigo de Vasconcelos, “ou talvez um encerramento da fé”, sugeria o pároco Reverendo Manuel Assis.
Após as exéquias, Dália eclipsou-se. Confinada ao seu quarto, só Adelaide, a aia, lá entrava. Parecia optar por desistir, para sempre se enclausurando. Mas eis que, quando a quiseram internar em Travanca, insurgiu-se e rebelou-se na sua rebeldia que não se lhe via desde a adolescência. Parecia ter sido o tónico que faltava para fazer a jovem despertar da dormência a que se votara. De facto, desde a extinção de Carlos de Riba Sousa que nenhuma palavra lhe era ouvida.
Debalde tais esperanças da família e da crente Adelaide, a donzela prosseguiu refugiando-se em si mesma. E assim foi definhando, até uma gélida manhã primaveril.

MORRER DE AMOR

A noiva-viúva da Casa dos Bacelares extinguiu-se a si mesma, na ânsia de ir ter com o seu amado noutras paragens, que ali não o encontrava e sem ele não vivia.
Vestida de noiva dirige-se à capela da casa, rogando clemência à Nossa Senhora da Boa Viagem, para lhe perdoar o último acto.
Minutos depois Dália é encontrada afogada no lago fronteiro à casa. A aia de Dália foi quem deu com o corpo gélido, quando a sua atenção foi chamada para um bando de pombas brancas pousado nas bordas do lago. Ainda não se abeirava do sítio e já o bando levantara num voo.
Formando um círculo quase perfeito o bando branco ergueu-se em direcção ao firmamento. Nunca antes foram vistas aquelas pombas na propriedade, nem jamais a criada as vislumbrou.
Até falecer, aos 92 anos de idade, Adelaide relatou com uma notável lucidez o sofrido e apaixonado fadário da noiva-viúva, aos turistas do Solar das Camélias. FIM

Sete de Copas